O agronegócio é um setor muito importante para a economia nacional, mas, como todo segmento da economia, o produtor rural é suscetível a tormentas em seu negócio, tanto como crises econômicas e financeiras.
Além disso, o agronegócio vem sofrendo bastante com os recentes – e cada vez mais recorrentes – eventos climáticos, que levam a quebras nas safras e perdas de grandes investimentos. Assim, a recuperação judicial do produtor rural se mostra como um importante alicerce do restabelecimento do setor.
O presente artigo tem como objetivo explorar os aspectos jurídicos, econômicos e práticos da recuperação judicial do produtor rural, analisando as particularidades deste setor que corresponde aproximadamente a 25% do PIB brasileiro.
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ToggleUltimamente, muito se tem ouvido falar, no Brasil, sobre a recuperação judicial concernente ao produtor rural, principalmente depois da guerra que eclodiu entre a Ucrânia e a Rússia, evidenciando-se uma dependência gigante de fertilizantes vindos destes países.
Mas, antes, você precisa entender o que é recuperação judicial.
A recuperação judicial é uma prática adotada quando a empresa ou produtor rural não dispõe de meios para quitar suas dívidas, recorrendo à justiça como forma de reestruturar seu negócio, por meio da negociação dos débitos existentes sob o amparo legislativo.
Esse processo não é de interesse exclusivo de quem pretende evitar a falência, mas também às partes credoras da instituição, tendo em vista que o instituto é um viés assecuratório dos interesses dessas pessoas e dos funcionários, devido à possibilidade de recuperação dos créditos e de manutenção dos empregos.
Dessa forma, a recuperação judicial tem como principal finalidade propiciar a superação de uma crise econômico-financeira do devedor (empresa ou produtor rural), com o fito de possibilitar a manutenção da fonte produtora, do serviço dos empregados e dos interesses dos credores, constituindo então a preservação da companhia, sua função social e o engajamento à atividade econômica.
A renegociação de suas dívidas é feita por meio da apresentação de um plano recuperacional, o qual deverá ser observado em caráter obrigatório, para pagamento dos credores, após sua aprovação.
No contexto do agronegócio, a recuperação judicial do produtor rural visa garantir o restabelecimento do empresário rural no mercado, evitando a falência, na medida em que a atividade empresarial garante os interesses da sociedade, uma vez que é fonte produtora, gera empregos e resguarda os interesses dos credores.
Seguindo este princípio que norteia as relações empresariais, a Lei n° 11.101/2005 estabelece as regras para requerimento da recuperação judicial pelas empresas e sociedade empresárias.
A legislação brasileira considera a agricultura, a pecuária, o extrativismo, a piscicultura, a extração e exploração vegetal e animal, como atividades rurais.
Nesse âmbito, existem as pessoas jurídicas que se dedicam à atividade rural, constituídas como empresas do segmento agrário; mas também a figura jurídica do produtor rural, que por muito tempo fora negligenciada, tratada no ordenamento jurídico pátrio apenas como pessoa física; nesse sentido, frisa-se a importância dos produtores rurais empresários, cuja atividade rural existe com o fim de gerar a comercialização dos próprios produtos rurais.
Ou seja, apenas empresas de produção rural eram reconhecidas pelo ordenamento jurídico como detentoras de certos direitos destinados aos agentes comercializadores de produtos rurais e, portanto, somente as empresas legalmente constituídas podiam utilizar-se de institutos como, por exemplo, da Recuperação Judicial.
Com relação ao produtor rural, à luz do artigo 971 do Código Civil, pode-se vislumbrar que a inscrição em Junta Comercial não é obrigatória, sendo apenas uma faculdade.
Entretanto, com o advento da Lei nº. 14.112/2020, foi flexibilizada, de certa forma, a questão de enquadramento do produtor rural como empresário. A referida lei acrescentou alguns itens à Lei nº. 11.101/2005, relativos à realidade do produtor rural:
Art. 48. Poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos e que atenda aos seguintes requisitos, cumulativamente:
(…)
§ 2º No caso de exercício de atividade rural por pessoa jurídica, admite-se a comprovação do prazo estabelecido no caput deste artigo por meio da Escrituração Contábil Fiscal (ECF), ou por meio de obrigação legal de registros contábeis que venha a substituir a ECF, entregue tempestivamente.
§ 3º Para a comprovação do prazo estabelecido no caput deste artigo, o cálculo do período de exercício de atividade rural por pessoa física é feito com base no Livro Caixa Digital do Produtor Rural (LCDPR), ou por meio de obrigação legal de registros contábeis que venha a substituir o LCDPR, e pela Declaração do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (DIRPF) e balanço patrimonial, todos entregues tempestivamente.
§ 4º Para efeito do disposto no § 3º deste artigo, no que diz respeito ao período em que não for exigível a entrega do LCDPR, admitir-se-á a entrega do livro-caixa utilizado para a elaboração da DIRPF.
§ 5º Para os fins de atendimento ao disposto nos §§ 2º e 3º deste artigo, as informações contábeis relativas a receitas, a bens, a despesas, a custos e a dívidas deverão estar organizadas de acordo com a legislação e com o padrão contábil da legislação correlata vigente, bem como guardar obediência ao regime de competência e de elaboração de balanço patrimonial por contador habilitado.
Conforme apontado, o artigo 48 da Lei nº 14.112/2020, estabelece os requisitos necessários para que o produtor rural requeira junto ao poder judiciário a recuperação judicial:
Destaque para o fato de que tais requisitos permitem a recuperação judicial do produtor rural pessoa física, pois o equiparam a um empresário e o sujeitam ao regime empresarial, garantindo o seu acesso ao instituto recuperacional sem a necessidade do registro perante a Junta Comercial – conforme Tema Repetitivo 1145 do STJ.
De fato, o Produtor Rural vem se utilizando da Recuperação Judicial para o enfrentamento da crise econômico-financeira.
Segundo pesquisa divulgada pelo Serasa Experian, os pedidos de Recuperação Judicial de Produtores Rurais tiveram alta de 300% (trezentos por cento), no ano de 2023.
Por meio desta pesquisa foi identificado pedidos de Recuperação Judicial de Produtores Rurais — pessoas físicas e jurídicas —, além de empresas que, apesar de não serem produtoras, estão relacionadas ao agronegócio, demonstrando que o segmento se encontra em crescente crise.
Contudo, face a viabilidade jurídica traga pelo sancionamento da Lei n° 14.112/2020, não se faz necessário o registro perante a Junta Comercial para entrar com pedido de recuperação judicial, bastando apenas a comprovação do exercício da sua atividade rural por pelo menos dois anos.
As etapas do processo de recuperação judicial do produtor rural são:
Primeiro passo, é preciso que o pedido de Recuperação Judicial do Produtor Rural seja realizado na comarca em que exerce a atividade de produtor para que o Poder Judiciário aprecie o pedido.
O juiz, ao deferir o processamento da recuperação, concede um período de suspensão das ações e execuções já ajuizadas contra o recuperando(a), pelo período de 180 (cento e oitenta) dias, renováveis pelo mesmo prazo, a critério do juiz.
Na sequência do deferimento do pedido de Recuperação Judicial é nomeado um Administrador Judicial, que ficará responsável pela fiscalização do cumprimento dos requisitos do processo de recuperação.
Dentro do prazo de até 60 (sessenta) dias do deferimento da recuperação, deverá necessariamente ser apresentado o plano de recuperação que terá deságio da dívida e prolongamento do pagamento da dívida, ou seja, o prazo no qual será paga a dívida.
Por sua vez, os credores ausentes no plano de recuperação podem requerer a habilitação de seu crédito na recuperação judicial, requerimento este, que dependerá de apreciação judicial.
Também, os credores podem se opor ao plano apresentado, por meio de uma oposição, que também será apreciada pelo juiz.
O juiz da recuperação designa data e horário para realização de assembleia de credores, na assembleia em sendo aprovado o plano, o administrador judicial ficará responsável pela fiscalização dos pagamentos aos credores. Na hipótese do plano ser rejeitado, a falência do produtor rural é decretada.
Confira o fluxograma com as etapas da recuperação judicial do produtor rural:
As dificuldades são várias, mas a questão crucial gira em torno de que nem todos os débitos do Produtor Rural podem ser objeto do pedido de Recuperação Judicial.
Nesse ínterim, somente os créditos que decorrem, exclusivamente, da atividade rural são passíveis de apreciação, frente à recuperação judicial, ainda que não vencidos.
Ademais, as dívidas referentes à aquisição de propriedades rurais de acordo com o repasse de recursos oficiais e fiscais não podem ser incluídas na recuperação. Também não poderão ser incluídas as dívidas amparadas em Cédula de Produtor Rural (CPR).Um outro risco importante para os Produtores Rurais no que pertence ao ajuizamento do pedido de Recuperação Judicial é a falta de estrutura das varas especializadas, na Justiça, para lidar com esse tipo de processo, pois, geralmente, as empresas que atuam no agronegócio e os Produtores Rurais estão sediados em pequenas comarcas, sem vara específica de Falência e Recuperação Judicial.
Essas são as principais dificuldades, face ao direcionamento da recuperação judicial ao produtor rural, no entanto, o instituto ora destrinchado, encontra-se em crescente evolução, visando sua aplicabilidade frente aos anseios sociais rurais.
A Nova Lei de Recuperação Judicial e Falência, Lei nº 14.112/2020, representa um marco significativo no amparo legal aos produtores rurais em situação de dificuldade financeira.
Ao abordar diversos aspectos da recuperação judicial para o setor agrícola, a legislação introduz uma série de mudanças que visam proporcionar maior segurança jurídica e eficácia aos processos de reestruturação econômica no campo.
Por meio da recuperação judicial, o produtor rural pode dar continuidade às suas atividades, proporcionando um ambiente negocial justo e benéfico para todos os envolvidos, como bancos, tradings e fornecedores. O procedimento permite inúmeras possibilidades de negociação para redução do endividamento, renegociação dos débitos trabalhistas, abrindo, ainda, oportunidades também para negociação e parcelamento de dívidas tributárias.
Com a reestruturação do produtor rural, a atividade agrícola tem a oportunidade de voltar a crescer, impulsionando o desenvolvimento da governança corporativa no agronegócio no país.
Outra inovação trazida pela Lei é a possibilidade de o produtor rural optar pelo procedimento simplificado, que era medida exclusiva para microempresas e empresas de pequeno porte, desde que o valor da dívida sujeita à recuperação judicial não exceda R$ 4,8 milhões.
Não resta dúvida que a nova lei de Recuperação Judicial e Falência representa um avanço significativo na proteção e no apoio aos produtores rurais, contribuindo para a estabilidade e o crescimento do setor agrícola brasileiro.
Em resumo, a possibilidade da Recuperação Judicial do produtor rural foi um avanço na legislação brasileira. Afinal, os empresários do setor rural estão sujeitos aos mesmos problemas dos demais empresários.
A possibilidade do setor agrícola, digo, todos os produtores rurais, fortalece o agronegócio como um pilar fundamental da economia nacional, promovendo o desenvolvimento sustentável do país.
Por isso, recomendamos buscar a assessoria de um advogado especialista, a fim de analisar todas as circunstâncias, requisitos, riscos e benefícios relativamente ao pedido de recuperação judicial para produtor rural.
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